domingo, 20 de fevereiro de 2011

CARTA DE ALPHORRIA

À minha grande amiga, Guará – Guaraci Barbosa de Carvalho -
itabirana mais rica de coração que todo o minério de sua terra,
que me honra com sua amizade e com o privilégio de chamar-me
de “irmã de fé”, dedico este poema, com especial carinho.



Hoje, amanheci cor-agem.
Sou capaz de encasular o medo,
andar em areia movediça,
abandonar a fita métrica
para palavras e decisões.


Posso construir novos caminhos
e neles me perder.
Ser ilógica, estar lúcida.
Violar os interditos,
enfrentar as intimidações
e transfigurar o real.


Descalçadas as correntes,
assumo as asas e o mistério.
Voo pelo mar de Minas,
sobrevoo o oceano de montes.
Errante, reinvento paisagens.


“A liberdade é azul”.
A paixão vermelha e branca.
Humanas e mineiríssimas
são as perguntas que me seguem.
Abertas as portas,
destravadas as cancelas e janelas,
a luz planta matizes de alegria
no dentro embolorado.



Devaneios, desejos, expectativas...
Grilhões, mata-burros
ou trilha em mata fechada?
A decisão pula o muro
e tropeça em poesia
partejada em lucidez e volúpia.


Há que se ter olhos que voem.
Coração que desenhe a vereda.
Mãos que desenrolem o fio
e teçam a trama do drama
de Janeiro a Dezembro.


Alphorria e destemor - mãos entrelaçadas.
Fachada e fundo de quintal.
Imanência e transcendência.
Alfa e ômega.
Sem as duas faces de Janus
não se conquista a carta.


De posse do passaporte,
de próprio punho assinado,
renascem as suas asas,
seus pés se tornam mais ágeis.
A travessia das margens
é muito facilitada
por sua bagagem leve
e seu sorriso estampado.


Você se atém ao que é,
desapegada dos rótulos.
Pega no leme do barco,
viaja contra a corrente.
Vaza distâncias e o tempo,
levando a chave do reino.


Mas, se você se distrai,
permite uma viseira nos olhos,
transita em uma só margem,
a viagem é esquecida
e a sua carta perdida.


Só um susto muito grande
ou um extremo cansaço
acorda a nossa memória
ligada à alphorria e à carta -
não de posse de feitor -
muito menos de senhor.


Não a procure no claro,
nem em mãos poderosas.
Ela jaz silenciosa
no mais profundo de nós.
E espera ansiosa,
que seja recuperada
e sua bandeira hasteada -
azul, vermelha e branca.


A fiança que é pedida
para a entrada no reino
tem que vir assinada,
pelo próprio alphorriado.
No documento portado,
a foto é bem antiga -
o rosto é de criança
e o coração de aprendiz.


E assim documentada,
de alegria ataviada,
senhora dos seus desejos,
você alça o voo.
Chega à sua “Minas”
e das reminiscências Gerais,
repete de cor a senha:
“Libertas quae sera tamen”
É agora, ou nunca mais!

Celina Rabello – 15/11/2009







 

3 comentários:

  1. "Mas, se você se distrai, permite uma viseira nos olhos, transita em uma só margem, a viagem é esquecida e a sua carta perdida."

    Parabéns Celina!
    Simplesmente maravilhoso!

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  2. Obrigada, Goretti, pela gentileza do seu comentário.Pena, só hoje, eu tê-lo percebido.
    Você, pessoa alphorriada, senhora do seu destino, há de ser muito feliz sempre. Bjs

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  3. A beleza e a densidade dos seus versos revelam-se em grande poesia. Parabéns.

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