À muito querida e especial amiga, Maria Stael Pires Moreira - Tael, Taelzinha - cujo olhar generoso e estimulador
sempre regou em mim a semente da “Última flor do Lácio, inculta e bela”, com gratidão e afeto.
Meus olhos se abrem
como um oratório –
portal entre o sagrado e o profano.
A potência se transforma em ato:
Entre a vidente e o visível,
acende-se a centelha do sensível,
rebenta o sentido sua jaula
e no jogo do ver e ser visto
desse olhar que codifica
e abarca o mundo,
celebro a visibilidade do invisível.
E no andarilhar desses olhos
acordo lembranças, faço colagens,
registro impressões imprecisas,
contrastando luz e sombra.
Em pinceladas curtas,
Em pinceladas curtas,
sem contornos nítidos,
delineio figuras e fundo,
num pontilhismo de nuances
que rompe a ordenação
refratária do cotidiano.
Da paleta impressionista,
esse olhar voejante e engenhoso
cria a tela cambiante
e, na prosaica realidade do palco,
viajo no avesso da cena.
Da arte aprendo que não vejo
aquilo que vejo.
Nela me projeto e penso.
E o que vejo
é o espelho narcíseo
cristalino, transparente,
resultado e geratriz
do pensar e do sentir.
Olhar usurpador de todos os sentidos
traça seu plano de voo,
toca a luminosidade do invisível,
condensa o mistério humano.
Olhar e pensamento - estrada vicinal
em curvas e obstáculos do sentir.
Ver liberta-nos do saber,
olhar encharca-nos de ser.
Ver é linear, rápido, imediato.
Olhar é sinuoso, lento, mediado,
cheio de estilhaços e fragmentos
para a composição do todo ruminado.
Desse olhar partejante e sigiloso –
escoamento de universo pessoal –
sou arremessada às possibilidades
e ultrapasso a areia, a concha, o caramujo.
Descubro, desvelo, concebo
o outro na sua objetividade,
recém-nascido subjetivamente.
Mas se ele me olha,
torno-me sua presa objetiva.
Se me nega, me recusa,
não esboça o gesto do diálogo,
não penetro a sua nave,
não me inauguro em seu mundo,
defronto-me com a minha finitude.
Há uma dinâmica, um ritmo
em ver e olhar, em olhar e ser visto.
São expressões do duplo movimento:
eu - mundo,
mundo - eu.
O olhar, singular e efêmero,
porque filho do ser e do tempo,
proporciona-me a gênese da vida,
ressignificando a individuação,
a alteridade e o mundo.
Criadora e criatura
espreito, transformo.
Celina Rabello – 13/06/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário