À minha mãe, Maria José de Aguiar Coelho, Maria Aguiar,
a doce Senhora da Glória,
do sobrado da Glória, da Rua da Glória.
a doce Senhora da Glória,
do sobrado da Glória, da Rua da Glória.
Voltar pra casa,
buscar abrigo no regaço
soberano da Glória –
o conforto do colo e do afeto.
Sobrado e montanhas
num diálogo verde
desde o alvorecer.
Os olhos da casa perscrutam
o interior
cheio de vida,
As vozes ressoam em cada canto,
os sons ainda passeiam pelos cômodos.
Só não os ouve, quem nunca os ouviu.
A serenata na cozinha,
gritos pelos respingos da goiabada,
o crepitar da lenha no forno redondo,
o chiado do toucinho na fritura.
Maria Hermógenes, João Neco, a Bené,
Efigênia da Aurora, Gigi e Bié.
Tudo e todos compõem um movimento só,
uma orquestra só,
sob a batuta da Senhora da Glória.
Lep, lep, lep seus chinelos repicam,
firmes e certos, como o sino da Matriz.
Tão doce, decidida, tão serena.
Sua presença e o manacá roxeam
de perfume a casa toda.
Do escritório, conhecia o mistério.
As disparadas pelo corredor
ela abafava o quanto podia.
Debaixo do assoalho morava o assombro...
De madrugada, barulhos esquisitos.
- Papaiiiiii!
- São os cachorros, filhinha, em cima da lenha.
A comprida caixa escura hospedava as bananas.
E menino pedindo na porta: - Tem sobra? E banana?
Sempre tinha alguma coisa,
ninguém saía de mãos abanando.
-A fome bate é todo dia, filha. É preciso paciência.
O sábado chegava com arte e flores
para o jarro de prata .
-Posso ajudar, mamãe?
- Claro, filhota. Traz as rosas do tio Chico
e as
crisandálias da tia Tê.
Tão natural o amor, a alegria, a fartura,
a presença certa da segurança.
Tudo isso escorregou pelo tempo,
no coração, fotografia viva.
Hoje, um transbordamento...
Um instante em que deságuo esta saudade.
Ah! Senhora da Glória!...
Celina Rabello
Belo Horizonte, 1º de dezembro de 2017