terça-feira, 22 de maio de 2018




VIÉS


De cabeça pra baixo
a perspectiva muda
e a sozinhez também.





Qual o sentido de tantas coisas prosaicas?
Contas a pagar,
tirar o pó dos móveis,
comida por fazer...


Não me conforta
ter um sapato de festa,
um brinco de princesa,
a Tunísia estar à beira do Mediterrâneo
ou termos, pelo menos, cinco sonhos por noite.




Desejo as vivências e não, o mapa.
Quero o pé no regato,
as risadas por coisa alguma,
o frio na barriga
antes do primeiro encontro,
dançar até a cabeça girar.


Fernando de Noronha marejando azul,
as tulipas explodindo cores em Ottawa,
a cachoeira cantando no Caraça,
a Ponte dos Amores me aguardando,
as ilhas gregas vestidas de azul turquesa
e a palidez dessa mesmice me estrangulando.


Quero do desfile humano
o descompasso,
do horizonte, ultrapassar a linha,
das fronteiras, todas as pontes,
o marulhar e o frescor das fontes e,
de Minas, a vontade de libertar a liberdade.




Quero da música o baile,
da noite, os becos e as serenatas
e o orvalho sobre as folhas.
Dos pássaros, o trinado, o voo.


E a voz da minha mãe ressoa:
- “O tempo urge!”
O tempo... o tempo... o tempo...
A vida não tem hora certa ou garantia.


Resignificar o relógio, como Dali.
No vento, soltar a pipa
e, no fio do equilíbrio, dançar
com a sombrinha do sonho.




Subir e subir e subir e me perder
e me encontrar no poder
desta água que parteja
o viés de um mundo transmutado,
no reflexo deste copo ensaboado
 e enxaguado.



Celina Rabello  BH - 19/05/2018



quarta-feira, 16 de maio de 2018



SER    BRINCANTE

À Nina Souza Lima, grande artista plástica e conterrânea,
 por ter-me inspirado, com suas belas telas, este poema.
 A ela, minha admiração!



Brincar é adormecer o tempo,
é partilhar risadas,
é ser capaz de tudo:
vencer e não perder amigos,
perder sem se sentir vencido.


Ser estátua, enquanto adultos correm.
Pular corda sem medo de tropeçar no sal,
na pimenta, no querosene e no bota fogo.
Encaixar boninas e se coroar princesa.


 Brincar é viver o faz de conta
sem brigar com o espelho.
É construir castelo de areia
e sentir-se em um palácio.
Arrancar o tampo do dedo
e não arrancar o entusiasmo.
Passar o anel e não, a esperança.
Fazer o que seu mestre mandar
sem perder-se a si mesmo.


Brincar é coisa muito séria!
É rodar na ciranda
de mãos dadas com as diferenças,
onde todos têm vez e voz,
ninguém é mais importante.


É flutuar na infância em disparada,
ser rico com bolinha de gude azulada,
ferir joelhos e braços pra pegar goiaba,
caçar passarinho pra se sentir com asas.


Empinar sonhos e papagaios,
pular maré e chegar ao céu.
Chapinhar no córrego, na enxurrada,
leve, livre e ágil – vento ao léu.


O ser brincante, inventivo e poliglota,
domina a língua do brincar e do “P” ,
 limpa a alma com terra e cambalhota,
vive, sem problema, o ser e o não ser.


Num andor, essas memórias
de fazer arte pela infância à fora,
respondendo enigmas,
descobrindo o mundo,
reinventando a vida.




    Brincadeiras de criança -
 luzes na minha clareira.
Fotografias do tempo
me transportam em suas asas,
cruzamos os grandes sertões
para as águas das veredas.



Celina Rabello Belo Horizonte, 15 de maio/2018