sábado, 31 de março de 2012

     PASSARINHANDO


Duas colheres de açúcar
em um copo d’água –
milagrosa alquimia –
esse pouco, quase nada,
muda o dia, a vida, a poesia.

E vejo,
e me extasio,
 e fico rica.

Um ipê me visita
transmutado em beija-flor.
A florada amarela,
branca, rosa dança
num adejar fluorescente.
As cores lampejam, riscam
meu olhar admirado.


As quaresmeiras, no papa-mel,
 sussurram-me palavras
em néctar roxo e tons de lilás –
presença do espiritual –
puro mistério.

Andorinhas pousam nos fios
e compõem música,
pauta desenhada
 em preto e branco,
ressoando notas em arco-íris.


A vida cumprimenta o dia
 e celebra a poesia
com o bem-te-vi, te-vi, te-vi.
Asas reinventam a cor,
a flor, o som, o movimento.


Saíras, em echarpes,
derramam seda esvoaçante
verde e azul,
 nos gerânios das jardineiras.












                                                                      A mineirice desconfiada,

dessas mocinhas aladas,

faz o jogo feminino

 do se mostrar e se esconder–
namoradeiras em janelas –
lusco-fusco de sedução.

Meus olhos afortunados
beberam desta beleza:
  cores, asas e flores de Minas
e a liberdade salta montanhas.

Com dança, cheiros e canto
voo pela rua-galáxia –
 Via Láctea de luz –
escada para o infinito.
Passageira da eternidade,
viajo no efêmero.

A água açucarada
inundou-me do divino:
êxtase e unidade.        

Celina Rabello – 29/03/2012
















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quinta-feira, 8 de março de 2012

FAZER  POÉTICO


Na multivalência das palavras
grito
o que habita em cisterna
 profunda.
Água clara, transparente
e viva,
ouro líquido, sentido
e âmago.


 Da nascente, transbordam
palavras-imagens suspensas,
retratos de emoções,
linha da vida,
do tempo
e da mente.


Este caudal interior e corrente,
semente e fruto da fonte  interna,
num ir e vir incessante
 e efêmero,
 desenha questões
 e paradoxos humanos.

 
O silêncio do solilóquio
pensante,
o sentimento privado
 e mudo
gestam o poema impuro
 e novo,
pedra bruta da mina  de letras,
gema e luz da oficina
poética.


Como a aurora, vencedora da noite,
desvenda segredos de amantes,
como tinge, o dia, de luz
a soturna túnica escura,
o poema brota em palavras -
jato de sentimento e memória
e desnuda a alma
vestida.

Fogo e seda se abraçam no éter.
Dia e noite se encontram no céu.
Sentimento e poesia se casam,
barco e vela lançados ao léu.

No atelier do fazer literário
há garimpo na mina de letras,
 bateia peneirando vocábulos,
 lapidação da linguagem poética,
decisão entre o simétrico
 e o assimétrico,
busca pela precisão
 do impreciso.

Poesia, poesia, moça exigente
e determinada:
roupa nova a cada dia,
grife exclusiva e bordada.

Difícil - atender-lhe a demanda.
Alegria - vestir-lhe a nudez.
Desafio - traduzir-lhe a alma.
Prazer - dar-lhe vida outra vez.

Celina Rabello – 05 de Março de 2012