quarta-feira, 16 de setembro de 2015



O ESCRITÓRIO



Havia uma porta fechada,
a mais aberta pra nós.
Atrás dela, civilizações perdidas,
filósofos, as letras, a fé,
a música, o Direito e o amor
eram vizinhos de parafusos,
das revistas “O Cruzeiro”, “Seleções”,
pregos, canivetes e da
caixa de pomada Minâncora. 


Estantes empoeiradas, o bureau  atulhado, 
o cofre do tamanho do desapego
e da  generosidade vicentina.
O rádio Philipps, boêmio da noite,
 sintonizava a BBC, de Londres,
aula prática, deleite, voo do ideal 
sob o comando da disciplina caracence.
 A cadeira giratória centralizava
a unidade - o viajante e a viagem.




Transpor a porta – discussão
entre a coragem, o desejo de colo e a timidez.
Mostrar o lado escuro para 
a testemunha que é  também a defesa.
Despir o pranto para um par de braços
 em acolhimento:
-Você ainda vai rir disso, filhinha.


Recolhi as relíquias paternas do amor.
Quando a decepção me assombra,
essas lembranças me agasalham.
Quando a tristeza chega à sala,
corro para o colo esculpido na memória.


O escritório tinha vida própria.
Ali estocávamos nossas certezas,
 nosso prumo e o aço da nossa âncora.
Vivia fechado, mas era tão aberto!
Vontade de saltar no tempo
e madrugar em música e poesia
porta a dentro.


Celina Rabello -  BH - 16/09/2015

sábado, 5 de setembro de 2015


PRIMAVERESCER 



Tem quinze anos a primavera,
as cores e a textura da flor-de-seda,
o cheiro tão doce quanto
o do manacá.


Às vezes, ciciante, lembra o vento
cantando no bambuzal.
Na sozinhez, seu silêncio
tem a brancura da dália do brejo.



Pululam, em seu corpo sazonal,
a inocência, o desejo, o lampejo
de coisas inatingíveis.


Não pressente que o verão vai
crestar sua cor, sua energia
de borboleta dançarina.



Azula o céu, perfuma o ar, 
matiza a coreografia das flores,
aviva a esperança, irradia vida.
Mal saída do casulo,
sente-se imperatriz do seu destino.


Vive, primavera, enquanto é tempo,
outras estações tocaiam atrás da porta.
Efêmera, transita como se eterna.
Infinita pelo pensamento,
sabe-se fugaz.
Jardim de contradições e paradoxos.
Quem mais bela?



Celina Rabello – 03/09/2015