quarta-feira, 12 de novembro de 2014

ESPIRITUALIDADE



Compaixão e ternura,

paciência e tolerância,

justiça e cuidado

dialogam no templo

da espiritualidade –

“solidariedade na prática,

amor na essência”.1



Caminho clamante por descoberta

e cultivo da não dualidade,

trilhado de dentro para fora

e de fora para dentro.



Elo interligado ao somático

e ao psíquico compõe

a beleza da mandala humana:

cada dimensão é uma porta

que se abre a outra e que,

juntas, conduzem à inteireza

e às possibilidades da vida.




Espiritualidade, alavanca

 do potencial de servir,

acende uma centelha nos olhos,

estende  mãos solidárias em gestos

que alforriam a si mesmo

e fazem a emancipação do jugo

e do jogo do individualismo.



Pétalas só de bem-querer

formam esta flor humana,

onde o amor desenha  a rosácea da harmonia

e faz, no centro,  a sua morada.



Espiritualidade, dimensão superior,

transcendente e ilimitada do humano,

conexão com algo maior que o próprio homem -

ser relativo, mas aberto ao absoluto.




Instância humana, fértil de luz,

manifesta o Invisível imanente

na circularidade do amor

Criador-criatura.



Anterior a qualquer religião,

essa sinfonia humana e divina

suscita questões existenciais básicas,

nascentes da inteligência espiritual.



Em reverência, nos perguntamos:

- qual o sentido da vida?

- qual o sentido da minha vida?

- o que esperar depois dela?



Revelada pela consciência de participação,

de comunhão, de partilhamento,

presente em cada atitude de amorosidade,

de piedade, de fraternidade

e de busca de significado para a vida .



Procura pessoal pelo sagrado,

transcende o ego e valoriza

o bem, a justiça e a paz.





Vivencia a intimidade com o Divino,

 a benevolência para com todos os seres vivos,

o cuidado para com o Planeta,

o amor à família humana

e ao Pai dessas diferenças

que, somadas, conduzem à Unidade.



Espiritualidade, insígnia

que promove a mudança interior

e dá sentido ao destino humano.

Transpõe credos e prédicas,

concretiza-se no “Bom Samaritano”

e nos ancora no coração de Deus.




Celina Rabello – 05/11/2014


1-     Definição de espiritualidade do psicólogo, antropólogo e escritor mineiro, Roberto Crema.

Poema baseado nas ideias sobre espiritualidade apresentadas pelo teólogo, doutor em filosofia e escritor Leonardo Boff  e por Frei Betto, escritor mineiro e religioso dominicano, que recebeu o principal prêmio literário do Brasil – o Jabuti.



quarta-feira, 1 de outubro de 2014


ENCRUZILHADA






























Ruas e esquinas. Encruzilhada

uma atrás da outra.

Invadem-me as emoções filhas da possibilidade.


O gato está lá.

A pergunta de Alice não quer calar:

- “Aonde vai dar este caminho?”1

Ele me olha irônico.

Não posso mais responder

como a menina do País das Maravilhas.


A bússola interna conhece o norte,

mas "o real não está na chegada.”2

Uma pinguela me desafia

e a passagem é para apenas um.







Os dois eixos do X,

as duas faces da decisão:

 razão e sensibilidade discutem.

O caminho do decidir é solitário.

“Viver é muito perigoso!”3



“Ou as fechaduras são muito grandes

ou a chave muito pequena.”4

Onde estará guardada

a chave do tamanho?


Sem os alimentos que afrontam o tempo,

“sem ser doida ou santa”, 5

como abrir a porta

do jardim secreto?




















Celina Rabello – 13/09/2014


1- Pergunta de Alice ao Gato de Cheshire, em "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carrol.
2 e 3 - Afirmações de Riobaldo, personagem do "Grande Sertão - Veredas", de Guimarães Rosa.
4- Afirmação de Alice ao tentar abrir uma porta, em "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carrol.
5- Alusão a versos do poema "A Serenata", de Adélia Prado.


sábado, 13 de setembro de 2014

PRUMO


Aprumar-se.
Como bom pedreiro,
alinhar a esquerda e direita,
um olho no alicerce
e  outro na cumeeira.
Montar o touro de Creta
e comandá-lo de volta ao continente.


Ser antena viva que
interliga céu e terra.
Imersa na rede imanente,
nas exigências prosaicas,
viver o transcendente:
“enraizamento e abertura”. 1
Manter a tensão que alinha,
alinhavando criatividade e produção,
numa dança de leveza e flexibilidade.
Eta malabarismo circense!


Dar vazão aos sentimentos,
e não se afogar na emoção.
Considerar o logos, ouvir a lógica,
sem ignorar o coração.
Respeitar a experiência
e, ainda assim, ousar, arriscar, renovar.


Portar a tocha da lucidez,
dar a vitória ao discernimento,
sem, contudo, desprezar a loucura,
 a coragem de ir além,
de brincar de equilibrista,
de rir de si mesma,
do camundongo transvestido de leão
e do lobo fantasiado de cordeiro.


E, no fundo do poço,
sacudir a terra que lhe cai em cima.
Fazer, do suposto túmulo,
uma escada para o infinito.
Perder o medo de escorregar.
Aprumar-se,
 sempre!



 Celina Rabello – 12/09 /14

1- Expressão usada por Leonardo Boff, ao abordar imanência e transcendência em seu livro "Tempo de Transcendência"








terça-feira, 9 de setembro de 2014


MEU SONHO



Estatura de cordilheira,

dimensão de hemisfério,

vista de falcão sobrevoante.



Pegasus, de porte surrealista,

descobre os dois lados da muralha.

Cavalo, de estratégia inusitada,

viaja com a luz o espaço-tempo,

em delírio, atravessa a jornada,

na perplexidade do possível inconquistado.





Leva, neste voo sem fronteira,

a menina antiga confiada,

a ninfeta inocente e sonhadora,

a mulher-leoa determinada.



Do alto de sua madureza, ele espia

o amor que desconhece obstáculo,

a borboleta e suas fases às avessas.



O vento traz notícias do passado

- canto de sereia, flerte solerte -

a água  escorreu sob a ponte

e o moinho do presente está inerte.


Serra da Mantiqueira - Minas Gerais

E agora, cavalo alado?

A cordilheira esfarelou-se,

o hemisfério acinturou-se

 e as asas do falcão perderam as forças,

no infinito das possibilidades.



O sonho humano é uma promessa,
uma não se realiza,
outra utopia se instala.
Novamente, o real transfigurado,
 interditos violados.
Da frustração, pegamos o segundo eixo.
Voa, Pegasus!
O céu é o limite.





Celina Rabello – 10/02/2014

domingo, 4 de maio de 2014

QUARTO ESCURO


 Ao amigo, Jorge A. Cavallet, um Parapsicólogo que transmuta uma amizade em ipê florido.




Quarto escuro feito breu.

A janela de madeira

não deixava passar

um fiapo de luz.



Onças, lobos, lobisomem,

mula-sem-cabeça, assombrações

saltavam, diretamente, das histórias

do tio Joaquim, português,

para o meu quarto de infância.



E a “menina valente”,

expressão dos lábios paternos

estimulando a coragem em mim,

cobria a cabeça, fugindo do escuro

e dos monstros que o habitavam.





Hoje, o escuro do desconhecido,

 da entrega irrestrita,

do total desapego e da morte,

ainda me assusta.



Medo do que o escuro esconde

do estar no mundo

e do ser no mundo, real e no transcendente;

mas não, medo da luz.



Contrapor a coragem ao medo.

Cor-agem, agir com o coração,

sem desprezar o segundo prato da balança.

Razão e sensibilidade,

pesos iguais para o lado

direito e o esquerdo -“Equi-librium”.

Aprendizagem para uma vida inteira:

errar, parar, pensar, pesar de novo.






Abrir a janela,

vencer o escuro acendendo um olhar novo.

Transfigurar o medo em lanterna

e capturar a alegria gratuita

que se perdeu em fotografias antigas

e a leveza da vida, que lateja

nas árvores da rua.



“Decifra-me ou te devoro". 1

Enfrentar o enigma com outro enigma.

Dançar na corda bamba, a cada dia ser,

alvorecer, refazer, resplandecer

apesar de.



Celina Consuelo Rabello Campos – 01 de maio de 2014

1- Ameaça da Esfinge mitológica da tragédia de Sófocles, "Édipo Rei",
ao propor aos passantes o enigma: "Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio dia tem dois, e à tarde tem três?"



Ipês da entrada da Fazenda Água Doce -  Cacoal - Rondônia - Propriedade de  Jorge A. Cavallet