quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

REENCONTRO




Foi um acender de arrebol,

naquela tarde de chuva.

Desenrolamos o fio do sentir

e atendemos ao chamado da vida,

não para solucionar seu mistério –

mas para vivê-lo.

Presenteados com o reencontro

compreendemos que,

se assim a vida se apresentou,

assim deve ser.



E parte de nós foi a pauta

e a outra parte, a música.

Uma parte de nós, as palavras

e a outra, o poema.



Nessa fresta de luz,

trilhamos memórias.

Porque é na neblina

que desenho o trajeto.

É na bruma que faço

a dança da chuva.



Nesse manancial de vida, banhei-me.

Alegrei-me por não termos engaiolado

o brilho da gota de orvalho

na folha de inhame.



Poder se olhar... se extasiar...

As palavras silenciam,

apenas as mãos se tocam.

Só as palavras que moram nos olhos

falam e constroem atalhos

para os nossos jardins.



E efêmera, cumpriu-se a alegria

do encontro, deixando as dúvidas

como presente.

Alpinista, uso os nós

da corda para a escalada.



Celina Rabello – 24/01/2011








COM UM PÉ NO ANO NOVO



“Deixe-se em paz!”
Aceite não ter certezas.
A certeza é pesada como corrente.
Muitas almas a arrastam por aí...
Não sabe o que fazer?
Quem é que sabe o tempo todo?
Alguém quer ter razão?
É simples, escreva a palavra RAZÃO
e a entregue ao debatedor.


“Deixe-se em paz!”
Rasgue as listas.
Há telefonemas para dar?
Que aguardem “quando Deus der bom tempo”.
Há que se atender expectativas?
Ora, tenha paciência!...
Minhocas na cabeça dos outros?
Não é sua a responsabilidade.


“Paz na terra aos homens de boa vontade!”
Na terra do coração é que se esconde
a criança amedrontada.
Ela precisa de largueza, de férias,
de boa vontade.
Arre! Chega de dever. 
Os compromissos, as cobranças, as avaliações...
Ah! Nem...


Alinhe em dominó as expectativas,
as exigências e empurre.
É isto: ria a valer com o resultado.
“Pernas para o ar que ninguém é de ferro!”
E o Marechal?
Ora essa! Que seja cultuado pelo exército.
Ou que deserte...
La paloma está suelta.
Que voe!






Celina Rabello - 28/12/2010


RES  PINGOS


 
Via Láctea - berço.
Via Láctea - morada.
Caminho em Via Láctea.
Berço, morada, caminho:
berço esplêndido, candura,
morada cândida, volátil,
estrada em leite derramado:
jato do seio de Hera,
soluções desordenadas.


Os sonhos em espiral,
braços galácticos
em ciranda cósmica,
são tochas no labirinto
da monocórdia cadência cotidiana.
Cisão e des - cisão,
mergulho e decolagem.
E as asas de cera?
Icaro! Pegasus!
O grito ecoa na Galáxia-rua do infinito.


Os clamores dissonantes:
remotos, presentes, futuros
cavalgam o espaço-tempo
até o Regaço de Luz.
E o viajante tão cansado
chega ao ninho-abrigo
do amor, da resposta total.
E da entrega-explosão
nasce outra “nova”,
afinal.


Celina Rabello - 23/10/2010


POEMINHA COR-DE-ROSA


Para a garota do rosa, Ana Letícia Campos Bandeira, que reina como a única flor
 da família  Rabello Campos e Aguiar Coelho.



 Rosa é quarto de menina,
o sonho não se consumou:
os adornos, cor-de-rosa,
as viagens em devaneio,
as carícias de veludo.

Até o relógio de pulso
marca em rosa aquele tempo
que é o do coração.
Tempo das possibilidades
e cofre das interrogações,
desafia o cronômetro,
a razão e o discernimento.
Os pratos da balança
pesam só o sentimento.


Cor-de-rosa, vida crescendo,
poema-vida, vida-poema,
sem registro, só vivida,
em risadas florescendo.

Não aumente o seu tom,
cor-de-rosa, cor menina,
que vermelho é cor adulta,
é paixão e outra sina.


Bem dizia, um menininho,
cheio de terno carinho,
que gostava da cor rosa -
vermelho bem devagarzinho.


Nesse reino onde o rosa
roseia como se quer :
champanhe, fúcsia, bebê,
toda a vida se transforma
em aurora rosicler.









   A morena cor de jambo,
única flor da roseira,
e que dança toda prosa,
alegre brisa mineira,
sempre prefere o rosa,
cor da sua bandeira.

        
 Bandeira que está no nome,
dessa morena charmosa
  cujo sorriso enfeitiça
  
                e que é Ana Letícia.                      

                                                     
    E se a rosa-dos-ventos,    
assinala uma direção
             onde não mora o rosa,              
essa moça envolvente,
toda em rosa fulgente,
com sua mão enluvada
gira, de novo, a roda.
E o rosa onipotente
assume, ditatorialmente,
o rumo, a moda, a jornada.     
 

Celina Rabello - 05/09/2010


ESPERANÇA ROSA



ESPERANÇA ROSA


Para ANA LETÍCIA, minha filhinha e flor-de-julho, que ilumina a Via Láctea.





BH, menina-moça,
veste-se de cor-de-rosa.
O amor aflora em flores
e concretiza a esperança,
deshibernada e gloriosa.

Bouquets redondos e róseos
são plataformas de voos
para sonhos e lembranças-
passarinhos presentes e passados.

O vento não resiste
a essa beleza rosada
e dança nos jardins suspensos,
de forma desajeitada,
causando uma chuva de cor,
atapetando a cidade,
extasiada de flor.

Dá pena, pisar os passeios,
passarelas cotidianas tingidas,
revestidas, pintadas, floridas,
por suspensas corbeilles coloridas.

O céu azula infinito,
fazendo fundo fecundo
à aquarela invernal
pintada, barrocamente,
por paleta angelical.

E a Cidade Jardim,
dengosamente roseia-se,
mineiramente corada,
provocando embriaguez
dançando metamorfoseada,
calçada e vestida de ipês.



Celina Rabello - 29/06/2010






FLOR SALVÍFICA



Ao meu filhinho, Marcus Vinícius Campos Bandeira, que com seu trabalho
 de reciclagem de cartuchos para impressoras coopera, ativamente, 
com a preservação da natureza.






O homem postou-se em um pedestal
e criou a separatividade.
Colocou-se como rei do reino,
que fragmentou e mutilou.
Hoje, posa de bobo da corte
dando tiros no escuro,
sem retirar as vendas dos olhos.

Como recuperar o paraíso perdido
depois de, insandecidamente,
envenenar Gaia – a mãe Terra?
As montanhas do seu corpo estão feridas,
as águas límpidas dos seus olhos, poluídas
ou estancadas em soluço contido.
O verde de seus cabelos está gris
de tristeza, pela morte
que se apossa do que é vida.

Deprimida, ela explode em tremores,
pranto inundante,
vômito de fogo.
Tenta sacudir seus filhos cegos à sua dor,
surdos aos seus apelos,
mudos na defesa do seu ser,
duros de coração.

Quando iremos compreender
a grande teia amorosa
em que estamos inseridos?
Quando entenderemos a irmandade
bordada pela genética, no código da vida?
Quando aceitaremos o cuidado, a compaixão,
e a reverência, como pilares da ética?

A unicidade clama que a inteligência
revele a sua verdade
e desvele o mandamento da sagrada partilha.
Sem amorosidade e solidariedade
não há futuro para a Terra nem para os filhos da Terra.
Interdependência é a palavra,
cuja aceitação salvífica
precisa de abrigo interior.

Nós “co-existimos
e interexistimos” com todos os seres.
A ética da compaixão reafirma
a irmandade planetária,
a interligação de todos os fenômenos.
Somos unos com o universo.

Na estreita trilha da individuação
é preciso circuncisar o verbo fragmentar,
para que da realização da própria semente
brote a inviolável flor da inteireza.


Como estrelas dançarinas,
novos valores emergem do caos.
São “pérolas sobre a mesa” da vida,
à espera que “o fio da espiritualidade
alinhe e amarre” o colar sistêmico
da Ecologia Integral.



Celina Rabello - 28/03/2010 















RELATIVIDADE



Tela de Salvador Dali - pintor surrealista

Amar é viver o meu tempo
no tempo do outro.
Filosofia e Física - estradas paralelas.
Qual é o meu tempo?
Qual o tempo do outro?
Se o que existe é o espaço-tempo
ou o continuum tempo-espaço.

Tudo depende de um sistema referencial.
Você é o designer do seu mundo.
Cria e recria o seu universo.
Apesar de uni,
são tantos os versos
em direção ao UM.

Todo tempo é relativo,
o grego assim ensinou:
se é do relógio é cronos,
se dos sentimentos Kairós.

Dor, alegria, aflição,
espera, angústia, prazer,
são coisas subjetivas
ligadas ao coração.
Ou escoam bem depressa
ou tendem à perpetuação.

Caminhamos por vias expedicionárias
para Aquele que é alfa e ômega -
destino dado,
perdido e resgatado.
Caminhamos por veredas tão tortas,
tão relativas, tão subjetivas.
E marchamos para o Absoluto -
pura compaixão do Criador.

Todavia, toda via é só uma via
em meio a tantas.
E pensamos que a nossa
é a mais reta, mais direta, mais certa.
Você é a seta.
E a vida, o arco
na mão do Arqueiro.

Vivemos em um sistema de intermutabilidade.
O grande cientista comprovou:
energia e matéria se equivalem.
A densidade da matéria
contém a luz libertadora.

Aperfeiçoemos o voo.
Cada asa machucada,
sua ou minha,
é um retrocesso na viagem.
Meu destino é o UNI,
que se manifesta no verso.
“No princípio era o verbo.”


Celina Rabello – 02/02/2010


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011






NATAL NA GLÓRIA

"Gloria in Excelsis Deo"

Á tia Tê, por seu extremado carinho e generosidade para conosco e à Zarinha, grande incentivadora, comadre e amiga, dignas continuadoras do acolhimento da Rua da Glória, em Virginópolis, MG.


O arrolamento de lembranças
embebe meus sentidos.
Revivo os abraços,
recolho os sorrisos
e os cheiros da casa.
Ouço o compasso
do chinelo materno
no corredor: lep, lep, lep.

As flores do manacá -
perfume branco, roxo e lilás,
transbordando de Maio
para as memórias de Dezembro.
Os passos paternos ritmados de fé,
no terço rezado pelo corredor.

A serenata na cozinha:
a bonita voz de meu irmão,
o violão do Waldir,
amigos e vizinhos,
modinhas e sonhos -
os revividos e os servidos,
mineirices regadas a café e Frisante.

A confecção do presépio
era uma mistura peneirada
de pedras, carvão, cinzas
e alegria da meninada
grudando a gruta de Belém,
nos papéis abertos no terreiro.

Musgo, areia branca,
o arroz crescido em lata de sardinha,
as begônias, dinheiro em penca,
samambaia descedeira, avenca,
caixas e caixotes
para a armação do presépio,
em local de honra.

Desembalar as figuras,
colocá-las com cuidado.
-A estrela fica no mais alto,
o galo mais abaixo.
- Não se esqueçam do pires,
para o dinheirinho do Menino Jesus.

O presépio vai emergindo
nas formas e cores recriadas
na sala e na memória.
A alegria do trabalho conjunto,
mãe e filhos em prosa,
encantamento e catequese.

A enorme cesta de natal,
afeto presentificado em generosidade
pelo tio Mandico.
Surpresas e delícias inusitadas.
Meu pai comentava:
-Amor a gente prova é com atos, minha filha!

As cores do afeto de tia Tê e tio Chico
arrumadas com arte no jarro de prata,
pela dona da casa.
Eta jarro fantástico!

A lufa-lufa na cozinha:
Lombo assado, frango frito e lingüiça,
a torta Rei Alberto – céu rosado
em nuvens brancas com sabor de abacaxi.
As gostosuras preparadas à lenha,
na delicadeza do amor.
Trabalho, fartura e compartilhamento,
eram a regra e o exemplo.

Efigênia da Aurora - no forno -
Maria Hermógenes - no doce de leite -
a Bené no pilão - garantindo o café.
Gigi, nas empadinhas:
- Ê menina, ajuda abrir a massa.
Siô João Neco cortando a lenha e proseando:
- Dª Maria, procissão eu não sigo.
-Mas por que, siô João?
-Ah! Se ao menos a gente pudesse ir correndo...

-Missa do galo não é para menino!
Vamos fazer a oração em volta do presépio.
O Menino Deus se mostrava
nas compotas de doce
e nas lições de humildade.

As janelas do sobrado sempre abertas
ao horizonte da caridade e da justiça,
fazendo da compaixão a sua lógica
para com os desterrados da alegria.

A casa entornava contentamento,
seus respingos consolam o presente.
Saciados de carinho
nos abríamos ao essencial.

É esse o Natal que eu quero:
O Natal do casarão da Glória!
Natal de encontro, de carícias.
Natal de paz, de segurança.
Natal de certezas!

O mundo parecia que seria sempre assim.
A satisfação da família unida,
alegria tão certa, tão normal,
quase desapercebida.
Alicerce de paz
que alimenta a pomba no meu peito.
Onde ficou tudo isso, meu Deus?



Celina Rabello – 25/11/2009


                                     Nota:  Sobrado de janelas verdes - residência da família Rabello Campos e Aguiar Coelho, na Rua da   Glória, em Virginópolis - MG 



IMAGEM FUGITIVA



Esforço-me para reter a sua imagem
já bastante enevoada.
Não me ficou um só retrato.
Os clics dos meus olhos,
amorosamente, te fotografaram.

Sua altura de deus grego,
ou era de cowboy?
Sua altura ainda me enlaça,
força-me a olhar o alto, laça-me.
Conduz meu pensamento.

Seu porte esguio.
O cabelo liso em noite de eclipse.
O sorriso sem hora e sem data.
Seus dentes...
Ah! Seus dentes...

As roupas simples de estudante.
A jaqueta verde agasalhava-me
em veludo e carícias.
A roupa de cinema... Camisa fio escócia
uma preta e outra salmon.
A calça jeans surrada.

O primeiro encontro - grande fatalidade.
Prenúncio da impossibilidade.
As possibilidades...
Cronos já me rouba todas.
Devora-me.

As retinas desobedecem ao coração.
Sua imagem não mais tão viva, tão clara.
Sinto-me roubada pelo nunca.
Atraiçoada por seus passos fugitivos.
Abatida por seu olhar
que se perdeu no tempo
das estradas de Minas.
Meu tesouro enterrado.
Que garimpeiro me socorre?

Tentei negar você em minha vida.
Mas essa ferida é diabética,
sofre os efeitos do seu açúcar
e do acorde grave de sua voz,
que a distância não capturou.

Oh! Senhor dos Passos,
que paço esconde seu abraço?
Que lua encobre sua figura?
Há de mim uma memória?

Nas minas dos sonhos,
incógnita, sua figura espreita-me;
se acende em lembranças remotas.
Bendigo todas – ópio e delírio.
Reúnem caminhos do “Y” invertido.

Sou mina d’água murmurante
a desenhar espaços, a cada passo,
a cada traço – nova bússola
para o seu seqüestro.
 Minha saudade ressoa.
Reverbera nos desertos do dentro.
Cai no poço do seu silêncio esfinge.
Sua lembrança é céu poente.
Sonhos inacabados.

Onde está o amanhecer da sua imagem?



Celina Rabello – 24/10/2009









CHUVA EM MINAS





Torres, telhados, jardins
lavados e enxaguados.
Nariz, boca e vidraças se encontram.
As montanhas e as nuvens se tocam.
Meu coração reflete o céu escuro.
Fios de água doce e salgada escorrem.
Onde se escondia tanta água?


Em dia triste assim,
gosto de pensar no céu
que fica acima das nuvens.
De uma torneira especial
é derramado o azul celeste.
Às vezes, o azul se cansa,
chama suas irmãs
e brincam de pular corda.


Ao saltar, de ponta a ponta,
as cores de uma só vez,
é traçada uma curva
na ribalta do horizonte.
 

Esse arco desenhado,
como ponte atravessado,
sabe bem todo menino -
é a união do sol com a chuva
e somente aparece,
em casamento de viúva.

Meu pensamento renovado,
pelas sete cores pintado,
transmuta dores e pranto,
em coloridas lembranças.
E a vida – uma criança,
começa a brincar de roda.


O giro é tão veloz,
na viagem pelo tempo,
que os sentimentos multicores
ao parar roda e canto,
tornam-se brancos de espanto.


A deusa Íris, no entanto,
que a tudo assistia,
abençoa a ciranda
devolvendo-lhe as cores,
conforme a mitologia.


As memórias enfileiradas,
já nas cores primitivas,
formam uma linha ovalada
brilhante e muito viva.


O arco-íris das lembranças
junta-se ao surgido no céu,
renovando a esperança
e a trama daquele véu.


Uai, cadê a chuva?



Celina Rabello – 08/10/2009



Arco-íris em Virginópolis- MG