"Gloria in Excelsis Deo"
Á tia Tê, por seu extremado carinho e generosidade para conosco e à Zarinha, grande incentivadora, comadre e amiga, dignas continuadoras do acolhimento da Rua da Glória, em Virginópolis, MG.
O arrolamento de lembranças
Revivo os abraços,
recolho os sorrisos
e os cheiros da casa.
Ouço o compasso
do chinelo materno
no corredor: lep, lep, lep.
As flores do manacá -
perfume branco, roxo e lilás,
transbordando de Maio
para as memórias de Dezembro.
Os passos paternos ritmados de fé,
no terço rezado pelo corredor.
A serenata na cozinha:
a bonita voz de meu irmão,
o violão do Waldir,
amigos e vizinhos,
modinhas e sonhos -
os revividos e os servidos,
mineirices regadas a café e Frisante.
A confecção do presépio
era uma mistura peneirada
de pedras, carvão, cinzas
e alegria da meninada
grudando a gruta de Belém,
nos papéis abertos no terreiro.
Musgo, areia branca,
o arroz crescido em lata de sardinha,
as begônias, dinheiro em penca,
samambaia descedeira, avenca,
caixas e caixotes
para a armação do presépio,
em local de honra.
Desembalar as figuras,
colocá-las com cuidado.
-A estrela fica no mais alto,
o galo mais abaixo.
- Não se esqueçam do pires,
para o dinheirinho do Menino Jesus.
O presépio vai emergindo
nas formas e cores recriadas
na sala e na memória.
A alegria do trabalho conjunto,
mãe e filhos em prosa,
encantamento e catequese.
A enorme cesta de natal,
afeto presentificado em generosidade
pelo tio Mandico.
Surpresas e delícias inusitadas.
Meu pai comentava:
-Amor a gente prova é com atos, minha filha!
As cores do afeto de tia Tê e tio Chico
arrumadas com arte no jarro de prata,
pela dona da casa.
Eta jarro fantástico!
A lufa-lufa na cozinha:
Lombo assado, frango frito e lingüiça,
a torta Rei Alberto – céu rosado
em nuvens brancas com sabor de abacaxi.
As gostosuras preparadas à lenha,
na delicadeza do amor.
Trabalho, fartura e compartilhamento,
eram a regra e o exemplo.
Efigênia da Aurora - no forno -
Maria Hermógenes - no doce de leite -
a Bené no pilão - garantindo o café.
Gigi, nas empadinhas:
- Ê menina, ajuda abrir a massa.
Siô João Neco cortando a lenha e proseando:
- Dª Maria, procissão eu não sigo.
-Mas por que, siô João?
-Ah! Se ao menos a gente pudesse ir correndo...
-Missa do galo não é para menino!
Vamos fazer a oração em volta do presépio.
O Menino Deus se mostrava
nas compotas de doce
e nas lições de humildade.
As janelas do sobrado sempre abertas
ao horizonte da caridade e da justiça,
fazendo da compaixão a sua lógica
para com os desterrados da alegria.
A casa entornava contentamento,
seus respingos consolam o presente.
Saciados de carinho
nos abríamos ao essencial.
É esse o Natal que eu quero:
O Natal do casarão da Glória!
Natal de encontro, de carícias.
Natal de paz, de segurança.
Natal de certezas!
O mundo parecia que seria sempre assim.
A satisfação da família unida,
alegria tão certa, tão normal,
quase desapercebida.
Alicerce de paz
que alimenta a pomba no meu peito.
Onde ficou tudo isso, meu Deus?
Celina Rabello – 25/11/2009
Nota: Sobrado de janelas verdes - residência da família Rabello Campos e Aguiar Coelho, na Rua da Glória, em Virginópolis - MG
Pois é, tudo isso fica na lembrança e na saudade.
ResponderExcluirLindo, lindo...
Tenho ternas lembranças dessa casa onde fui muito bem acolhida.Beijos Tamira
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