terça-feira, 22 de fevereiro de 2011






NATAL NA GLÓRIA

"Gloria in Excelsis Deo"

Á tia Tê, por seu extremado carinho e generosidade para conosco e à Zarinha, grande incentivadora, comadre e amiga, dignas continuadoras do acolhimento da Rua da Glória, em Virginópolis, MG.


O arrolamento de lembranças
embebe meus sentidos.
Revivo os abraços,
recolho os sorrisos
e os cheiros da casa.
Ouço o compasso
do chinelo materno
no corredor: lep, lep, lep.

As flores do manacá -
perfume branco, roxo e lilás,
transbordando de Maio
para as memórias de Dezembro.
Os passos paternos ritmados de fé,
no terço rezado pelo corredor.

A serenata na cozinha:
a bonita voz de meu irmão,
o violão do Waldir,
amigos e vizinhos,
modinhas e sonhos -
os revividos e os servidos,
mineirices regadas a café e Frisante.

A confecção do presépio
era uma mistura peneirada
de pedras, carvão, cinzas
e alegria da meninada
grudando a gruta de Belém,
nos papéis abertos no terreiro.

Musgo, areia branca,
o arroz crescido em lata de sardinha,
as begônias, dinheiro em penca,
samambaia descedeira, avenca,
caixas e caixotes
para a armação do presépio,
em local de honra.

Desembalar as figuras,
colocá-las com cuidado.
-A estrela fica no mais alto,
o galo mais abaixo.
- Não se esqueçam do pires,
para o dinheirinho do Menino Jesus.

O presépio vai emergindo
nas formas e cores recriadas
na sala e na memória.
A alegria do trabalho conjunto,
mãe e filhos em prosa,
encantamento e catequese.

A enorme cesta de natal,
afeto presentificado em generosidade
pelo tio Mandico.
Surpresas e delícias inusitadas.
Meu pai comentava:
-Amor a gente prova é com atos, minha filha!

As cores do afeto de tia Tê e tio Chico
arrumadas com arte no jarro de prata,
pela dona da casa.
Eta jarro fantástico!

A lufa-lufa na cozinha:
Lombo assado, frango frito e lingüiça,
a torta Rei Alberto – céu rosado
em nuvens brancas com sabor de abacaxi.
As gostosuras preparadas à lenha,
na delicadeza do amor.
Trabalho, fartura e compartilhamento,
eram a regra e o exemplo.

Efigênia da Aurora - no forno -
Maria Hermógenes - no doce de leite -
a Bené no pilão - garantindo o café.
Gigi, nas empadinhas:
- Ê menina, ajuda abrir a massa.
Siô João Neco cortando a lenha e proseando:
- Dª Maria, procissão eu não sigo.
-Mas por que, siô João?
-Ah! Se ao menos a gente pudesse ir correndo...

-Missa do galo não é para menino!
Vamos fazer a oração em volta do presépio.
O Menino Deus se mostrava
nas compotas de doce
e nas lições de humildade.

As janelas do sobrado sempre abertas
ao horizonte da caridade e da justiça,
fazendo da compaixão a sua lógica
para com os desterrados da alegria.

A casa entornava contentamento,
seus respingos consolam o presente.
Saciados de carinho
nos abríamos ao essencial.

É esse o Natal que eu quero:
O Natal do casarão da Glória!
Natal de encontro, de carícias.
Natal de paz, de segurança.
Natal de certezas!

O mundo parecia que seria sempre assim.
A satisfação da família unida,
alegria tão certa, tão normal,
quase desapercebida.
Alicerce de paz
que alimenta a pomba no meu peito.
Onde ficou tudo isso, meu Deus?



Celina Rabello – 25/11/2009


                                     Nota:  Sobrado de janelas verdes - residência da família Rabello Campos e Aguiar Coelho, na Rua da   Glória, em Virginópolis - MG 

2 comentários:

  1. Pois é, tudo isso fica na lembrança e na saudade.
    Lindo, lindo...

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  2. Tenho ternas lembranças dessa casa onde fui muito bem acolhida.Beijos Tamira

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