domingo, 1 de julho de 2018






ÁRVORE DE SONHOS




Vivo das translúcidas águas
de um rio que corre
em música, imaginação e memória.
Vivo desses infinitos fugazes
que nutrem a alma no cerrado da vida.


Os sonhos me habitam.
Nascem dessas águas correntes
maltratadas pelas mãos do tempo.
Nutrem-se nos lençóis freáticos
da alma que desconhece limites,
distância, espaço, calendário.
Que sabe apenas da eternidade,
só do ilimitado das possibilidades.





                                                                                       Primeiro uma folhinha se mostra;
mais uma, mais outra e outra.
Um galho inteiro se equilibra
entre a memória e o desejo.
Aparece mais um galho, outro
e a árvore está formada e forte.


As tempestades, os ventos
discutem com a árvore-sonho.
Arrancam-lhe as folhas, açoitam-lhe os galhos,
esfregam-lhe, no tronco, pedaços de outros sonhos.
Ela resiste e carrega suas marcas – hieróglifos
sulcados em sua alma e em seu corpo.
Decifra-os um a um no diálogo com a esfinge.
A história continua,
ora vence a árvore, ora o vento.
Mas ela sempre pende para a esquerda.





Celina Rabello – BH, 1º de julho de 2018





“A PEDRA DO REINO”




No meu reino tem uma pedra
alta, áspera, enorme.
Tudo domina como uma cátedra
esse paredão escuro e disforme.


A cada dia, olha-me o desafio:
desfraldar no alto do rochedo
a bandeira tecida fio a fio
com as cores da coragem e do medo.


A escalada é árdua, muito dura.
Subo alguns metros, avanço um pouco
e desvelo como uma pintura,
o mundo que eu pensava fosse ôco.


Mas tropeço numa ponta solta
e com tristeza e grande pasmo,
de novo, volto onde estive antes,
decepcionada e também envolta
em cansaço e forte marasmo.




Contudo, como Sísifo, recomeço.
Junto forças, ânimo, me apresso.
Para o pico da pedra alcançar
é preciso esquecer os desacertos,
seguir em frente, recriar
a fé, o foco, a fecunda esperança
da bandeira lá no topo hastear.


Aprendo a cada dia na escalada:
importante é o rumo, não a velocidade;
a conquista se dá na firme lida,
um passo, outro passo e, na verdade,
que a pedra, também, é conquistada
nos tombos e nos tropeços da jornada.





Nota: O nome deste poema foi inspirado em "A PEDRA DO REINO" - nome mais conhecido do romance de Ariano Suassuna: "Romance d'A PEDRA DO REINO e o príncipe do sangue do vai-e-volta", editora José Olympio. 


Celina Rabello – BH, 30 de junho de 2018