Rua da
Glória
O
tempo escorria lento,
na rua
da minha infância.
As
murteiras perfiladas
testemunhavam,
com flores miúdas,
brincadeiras
de finco e de bolinhas de gude.
Casas
de um só lado.
No
outro moravam as boninas -
atavios
coloridos - no cortejo das meninas,
que
princesas coroadas,
desfilavam
pela escada.
A
tarde ia chegando...
As
brincadeiras de roda,
passar
anel, pular corda
distraíam
a meninada,
que
escorregava grama abaixo,
em
papelões e risadas.
Também
o pic e as queimadas
faziam
a nossa alegria,
tão
simples, tão certa
como o
raiar de outro dia.
O
cemitério, lá no alto,metia
um medo danado.
As
procissões, apinhadas
de
gente rezando e cantando,
eram
espetáculo apreciado
das
janelas enfeitadas
com
toalhas bordadas,
jarras com muitas flores
e
plantas bem arrumadas.
O
Santíssimo vai passar,
a rua
foi decorada.
Arcos
de bambus com flores,
chão
pintado a cal, urucum e café.
Cálices e cruz desenhados, arte das Aguiar,
esmero
do amor e da fé.
A
vizinhança era boa,
muito
amiga e solidária.
Vovó
Ziná nos alegrava
com
seus biscoitos e doces,
sua
fartura diária.
Dona
Maria Aguiar
era
toda uma doçura.
Distribuía
rosquinhas
e de
tudo o que fazia.
Quando
matava um porco,
para
cada casa um pedaço.
Mas a Elisa
Teixeira
também
jogava seu laço,
com
gostosas empadinhas
e o
conserto de sombrinhas.
E a
Teresinha Aguiar
com
flores presenteava
e com
sorvete de calda
aos
meninos agradava.
A
Quitéria e a Socorro,
de
imensa mansidão,
faziam
doce de leite
para
canudinhos e leilão.
A
Rachel e a Amira,
simpatia
e prosa aberta,
alegravam
a nossa casa
com
casos e risadas certas.
E o
Dr. Amilar completava aquela festa.
O
Padre Francisco, tão bravo,
na sua
casa, um encanto.
Enchia
nossas mãos de bala,
mais
parecia um santo.
Papai,
com seu bodoque
e
bolotas em estoque,
assustava
algum passante
e dava
boas risadas.
Elogiava
as moças,
sempre
gentil e galante.
Mas de
“rosa da Glória”
a só uma ele chamava.
No seu
coração esse espaço
era da Adélia Passos.
A luz
era bem fraquinha,
mas o
céu era tão claro...
As
serenatas chegavam
e, de mansinho, as modinhas
os
seresteiros cantavam.
Waldir
ao violão
as
músicas acompanhava.
Na
cozinha lá de casa,
a
turma se esbaldava.
Professor
Abelar e siô Li,
senhor
Atelante e Nedir,
Elisa
e Zé Campinho,
vizinhança
e amigos
furavam
a madrugada
tomando
vinho e café,
comendo
sonho e pastel,
bolo e
muita empada.
Agora
é só saudade...
da
Glória e suas histórias,
daquela
felicidade,
do que
foi vivido e amado
e que
ficou no passado,
vertigem
da minha memória.
Celina
Rabello – 20 de fevereiro de 2024.